Já fazia 136 malditos dias. Longos, demorados e infernais. Afonso sabia o número de cor por que a dor de estar tão longe de tudo que amava fazia com que ele só pensasse nisso; na volta daquele lugar horrível, onde tudo é tão limitado, tão escasso e longe dos privilégios que sempre teve.
A saudade da família aos poucos corroia suas veias como se fosse veneno, sentia ódio por todos esses transgressores políticos que tinham uma vida extremamente luxuosa e boa nos Estados Unidos da América, enquanto Afonso e outras centenas de soldados sentiam a insegurança de não saber quando poderia acontecer o próximo ataque e se sobreviveriam.
O sangue gelava quando Afonso pensava que poderia ser o próximo a morrer. 4.394 americanos já haviam sido mortos até aquele momento, quantos mais precisariam para por fim aquilo? Quantas famílias ainda precisariam ser avisadas que seu filho, seu pai, seu irmão morreu?
Aquele conflito estava desencadeado a tantos anos, que muitos ainda se perguntam por que da ocupação por parte dos EUA, será mesmo que é por bombas nucleares? As dúvidas dos soldados eram diariamente o pior sofrimento, e só havia uma coisa que acalmava aqueles corações despedaçados pela guerra...
Cartas.
Quando se está perto de tudo que se ama e que se conhece de verdade não damos importância para o que nos cerca, para o que segura nossa mão ou o que nos faz sentir bem; o que aumenta ainda mais o baque de se sentir distante.
Mesmo Afonso estando inconformado não havia chances de falar com a família se não por meio de cartas. Algumas vezes demoravam semanas, mas havia sempre uma certeza: elas chegavam.
E hoje para a felicidade nada infinitesimal de Afonso era o dia de cartas, onde todos aqueles homens de farda ficavam piegas tentando ler o mais rápido possível, para depois reler, e reler, e reler, até que chegasse outra para consolar as tantas almas desconsoladas.
Afonso se sentou na poeira e deixou a arma ao seu lado, sem medo e sem tensão, só com a vontade de todas as partículas de seu corpo de ler aquela carta.
Abriu com cuidado, tentando não sujá-la e se pos a ler.
Querido Afonso,
Primeiro desculpe a sua mãe pelo tamanho da carta, sua avó Nilza morreu ontem a noite, seu pai está cuidando de tudo, acabamos esquecendo de escrever a carta, eu sei que é importante receber algo, principalmente estando tão longe da família.
Eu sei que é difícil pra você, tão sozinho e sem ninguém receber uma notícia desse porte. Rezo toda a noite pela sua vida, às vezes é tão difícil conviver com a saudade que já me peguei acordando de noite milhares de vezes pensando em você.
Filho, eu te amo, e você sabe disso, não posso me demorar mais, pois o tempo está passando, e como você sabe se eu não chegar na hora a carta não vai ser entregue a você. Não nesse mês.
Com amor,
Dolores.
Afonso guardou a carta e começou a sentir uma profunda nostalgia dos tempos em que ficava conversando com a avó sobre coisas vãs, coisas tolas. Quando ela o mimava ou o xingava. Não poderia ver ela uma última vez, nem se despedir, só esperava que ela estivesse sempre ao seu lado, como sua mãe e seu pai, em outro continente.
Pauta para Bloínquês
Edição Visual.
Oi Ale...
ResponderExcluirGostei muito do modo que desenhou tudo. O envolvimento, os acontecimentos, cada sentimento que você desenhou.
Esses momentos de guerra, muitas vezes nem são 'guerras de armas', mas 'guerras interiores' e aí, quando vem uma notícia dessa... Sentimos o mesmo.
Gostei muito. Está incrivelmente bem escrito[como sempre]
Grande Beijo
Eu gosto tanto dos seus textos que fogem de assuntos comuns.
ResponderExcluirVocê é bem versátil na hora de escrever, e isso é uma das coisas que mais admiro aqui no blog.
Beijos
Lendo este texto justo esta semana, tem uns dias que uma amiga minha perdeu o pai no Afeganistão essa semana que passou, ela mora Norfolk, muito triste essa situação, milhares de homens morrendo por causa da maluquice de alguns religiosos fanáticos. :S ótimo texto.
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