terça-feira, 14 de setembro de 2010

O Vale e o violão

Era a terceira vez naquela tarde que o mesmo homem passava em frente a minha casa, não que isso fosse proibido, mas com certeza não era nada normal. Loches não era uma comuna muito grande, tinha seis mil habitantes, sete mil no máximo.
A França tem muitos outros lugares além de Paris, e obras maravilhosas pelo seu interior, como o Castelo de Loches, no Vale do Loire. Minha cidade é linda, e por isso sempre havia turistas, mas nunca muito perto de onde eu e mamãe morávamos, nós gostávamos do silêncio, adorávamos a paz ao anoitecer em dias de verão, e a chuva que caía nos invernos frios, nós éramos felizes em Loches.
O céu nublado declarava chuva, a noite chegaria já.
- Sofia, Sofia, - minha mãe me chamou quebrando a linha do pensamento - venha me ajudar a recolher as roupas, começou a chover, querida!
Fui correndo até ela, senti uma gota de chuva em meus lábios, como beijo sem paixão. Recolhemos todas as roupas em poucos segundos, e logo estávamos dentro de casa fechando todas as janelas e portas. Eu adorava morar ali, naquela casa de pedras, o vento ao anoitecer batia nelas resultando em um chiado muito original e especial.
Olhei para fora, com um sorriso no rosto, e lá estava ele de novo, segurando seu maldito violão, a chuva cada vez mais forte fez meu estômago embrulhar de dúvidas, pedir se ele queria entrar, tomar um banho e comer algo, ou deixa-lo na chuva, com frio e fome? Não pensei por muito tempo, abri a porta da frente e corri até ele, estava realmente muito ensopado.
Olhei em seus olhos, percebi que eram castanhos, sorri.
- Não quer entrar? Se continuar aqui fora vai ficar doente e... - o barulho de um trovão interrompeu - entre, vamos.
Peguei sua mão, e ele ficou me olhando pelo que pareceram horas.
- Agora entendo o que ele quis dizer com a palavra anjo, você parece mesmo um... - ele falou como se conversássemos sobre o tempo.
- Você o conheceu? - ele me olhou longamente sem responder, eu o chacoalhei - você conheceu meu Henri?
A chuva já tinha nos ensopado, e minhas lágrimas ao lembrar do passado se misturavam com as gotas que caiam do céu.
- Sim, eu conheci seu Henri. - ele tocou em meu ombro - antes de ele morrer pediu que eu lhe entregasse isso - ele levantou o violão sujo e molhado com a outra mão e me estendeu.
Peguei o violão, com mais lágrimas saindo de meus olhos.
- Ele me disse que tinha que ser neste dia, passei a manhã e a tarde te procurando, - ele riu hesitante - você é Sofia, não é?
- Sim, eu sou Sofia, não quer entrar, e bom, comer algo e se secar? - ele era amigo de Henri e estava ali, me entregando o violão que eu havia comprado e dado de presente neste mesmo dia há exatamente dois anos atrás.
- Não, só queria te entregar isso Sofia - ele me examinou e se virou - Adeus.
- Espere - eu gritei - onde posso te encontrar? Qual é o seu nome?
- Você não pode me encontrar,  e meu nome, de que adiantaria? Seria um rótulo, apenas isso.
A chuva caía mais forte, e em meio às nuvens pesadas vi ele desaparecer, não sabia quem ele era, nem para onde estava indo, mas em compensação, eu tinha o violão.


Adeus, meu sonho sem esperança
Estou tentando não pensar em você
Você não pode apenas me deixar?
(Tradução de Almost Lover - A Fine Frenzy)

2 comentários:

  1. Que tocante esse texto! *-*
    Muito bem escrito. adorei.

    e essa música que você colocou um
    trechinho no final é linda.
    Me faz chorar! kk

    sucesso

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  2. Podia virar um conto, um romance, né? É um lindo começo! ;))
    Beijocas! Feliz fim de semana, Alessandra!

    ResponderExcluir

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