sábado, 12 de dezembro de 2009

Diário de viagem

Capítulo um: O aniversário

- Feche os olhos, assopre as velas e faça um pedido Joana - mesmo com o ambiente escuro com alguns pequenos abajures espalhados pela casa eu consegui identificar a voz da minha mãe.
- Ok mamãe estou tentando fazer isso - falei em um tom chateado.
 Ela podia ter um pouco de consideração por mim. Eu estava sofrendo, eram mudanças demais para mim. Senti as mãos quentes de Sara puxando meus cabelos para trás, ela tinha um amor enorme pelas minhas madeixas compridas e ruivas, apesar de nunca ter admitido, então nunca iria querer elas sujas de merengue.
Minha mãe sempre tentava caprichar ao máximo nos meus aniversários, só que nos últimos anos ela estava decaindo. Principalmente depois que o papai morreu, eu tentava não me culpar por isso, minha mãe sempre disse que a estrada estava com neve e que ele estava dirigindo muito rápido. Mas ela falava isso com tanta tristeza que não conseguia me convencer. Papai estava voltando de Aberdeen, ele era advogado, e sempre ia a cidade, ele e mamãe decidiram morar em Bellbag  que é um vilarejo pequeno e calmo, onde moro até hoje, literalmente até o hoje. Vamos nos mudar amanhã. Mas como eu ia dizendo, papai estava voltando de Aberdeen, com grande velocidade, pois sua filha estava apresentando um musical de natal, ninguém mais ninguém menos que eu mesma Joana Dixon, a verdadeira culpada pela morte de John Dixon, e a que fez Suzana Dixon sofrer por vários anos, sem poder nem cuidar de sua filha direito.
O negócio é que vovó Mary morava aqui em Bellbag até ano passado antes de ter que ir cuidar da tia Jill. Se não fosse por vovó não sei o que seria de mim, e depois que a sogra de mamãe foi embora ela não viu mais motivos pra ficar aqui, em um lugar que agora ela julga o fim do mundo. Então ela decidiu totalmente sozinha que iriamos para Edimburgo, sem nem ao menos me perguntar se eu gostaria de deixar aqui uns quinze mil amigos. Tudo bem, tenho qe admitir que Bellbag tem menos que quinze mil habitantes, mas só a Sara já valia por mil.
Fechei os olhos devagar para fazer o que Sara e mamãe tanto me incomodavam: um pedido. Assoprei com um suspiro as dezesseis velinhas e pedi com toda a paciência e força que ainda sobrava em minha mente para ficar aqui em Bellbag.
Abri os olhos e me virei para abraçar Sara e mamãe. Estávamos só nós três na casa em que eu havia vivido a minha vida inteira. Eu e mamãe. Duas medrosas passando noites e mais noites com medo de coisas inexistentes. Algumas vezes voando longe com aquelas histórias mágicas que ela lia para mim antes de dormir. A mesa de carvalho onde a torta estava era velha, mais velha que eu, papai que havia escolhido. As cortinas beges que tinham sido compradas a pouco tempo foram tiradas das janelas, mamãe tentava economizar com seu salário de enfermeira. Mas em alguns meses as coisas ficavam difíceis. Tudo na casa estava encaixotado, só o que sobrava era coisas que não podiam ser dobradas, desmontadas e guardadas em caixas de papelão.
Mamãe estava dando máximo de si em tudo isso, não havia dado muitas informaçoes sobre a mudança repentina de endereço, mas eu sabia que ela queria somente o melhor para mim. Ela se propôs a assistir filmes comigo, e até fez a pipoca, fiquei me perguntando como ela conseguiu essa façanha. Ela é tão hiperativa, para ela um segundo sentada é um segundo perdido, deve ser por isso que trabalha de madrugada, e eu passo minhas noites sozinhas. Passava, até ela pedir uma folga para ficar à noite comigo, se ela percebeu que eu estava mal, meu estado estava mesmo lastimável.
Mas o que mais me deixava mal era em deixar Sara sozinha, não que ela não tenha família, mas ela não nasceu em Bellbag, foi adotada aos seis anos, e não gostava muito da sua "mãe", ela era meio dura demais, o pai já era mais light, mas ainda assim era horrível saber que aqueles não era seus pais de verdade. E amigos era algo díficil de encontrar por aqui, principalmente alguém confiável. Bellbag nem uma cidade era consierada direito, então os habitantes falavam de tudo e todos, e se pudessem ainda botavam mais lenha na fogueira, o que era muito triste em um lugar que eu sempre considerei tão bonito.
Era quase meia-noite quando mamãe finalmente foi dormir, eu e Sara ficamos conversando até de madrugada, ela era minha vizinha fazia uns bons nove anos, e não era nada díficil sair da minha casa e ir até a dela em alguns segundos. Eu iria me despedir dela amanhã de manhã, mas tudo ficava mais díficil quando sabemos que é a última noite juntas.
- Olha pra mim Joana, olha nos meus olhos - ela falou erguendo meu queixo com suavidade, ergui minhas pálpebras e meus olhos foram em direção aos seus - eu vou estar com você sempre que você precisar de mim ok? Sempre, em um segundo eu vou até você nem que eu tenha que atravessar a Escócia ou o planeta terra. Eu sempre vou estar com você, entendeu?
-Eu te amo Sara.
O abraço foi tão forte que poderia ter quebrado algum membro não fosse pelo amor que passava de uma para outra. Tantos anos juntas e agora separadas. Com lágrimas nos olhos Sara voltou para casa, preparada para receber uma grande mijada de sua mãe.
E antes de dormir naquele colchão que estava no chão pronto para entrar no caminhão amanhã de manhã,  fiquei olhando para o teto, vi que meu pedido jamais se realizaria, eu concerteza iria para Edimburgo.

Imagem: Doação de fotos TheCL 

Continuação no meu novo blog o Quatro estações 

2 comentários:

Nunca sabemos de tudo.

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