sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Uma pequena nota no jornal

Não, ele não deixaria passar essa, não dessa vez, já havia aguentado demais daquela mulherzinha insolente, e qual era a dela de dizer ao chefe dele que ele vinha roubando da empresa? Se achava melhor que todos não é? Pois então ele ia mostrar a ela quem tinha mais poder. Pegou a chave carro e foi quase aos pulos até a garagem, entrou ligeiro no automóvel, estava frio, um dia chuvoso e nublado, e o que ele mais queria agora era ligar o aquecedor e sair pela rua a fora atrás daquela garota tola. Havia pegado o endereço na firma e só agora descubria que a casa dela era mais longe do que esperava, um legitímo interior, estradas de terra, em que o carro derrapava sem parar, começou a ficar com mais raiva daquela mulher, a que ponto chegara só para dizer poucas e boas para ela? Só por que o presidente da empresa pagava um bom de um pau para ela e quase a estava promovendo ela não precisava ficar se metendo onde não era chamada. "Mas ela é esforçada", essas eram as palavras daquele velho irritante, ele tinha que morrer logo, quem sabe assim a empresa ia pra frente. Mas pelo seu físico e mental ele ia mais longe que setenta e oito anos, muito mais longe.
Estava ficando escuro e amanhã também teria que mandar lavar o carro, ela não podia ter arranjado um lugar pior para morar, aquilo era o fim. Literalmente o fim, porque a casa dela era a última daquelas estradas nojentas. 
Estacionou o carro com um movimento violento, e isso não importava porque se ali nem calçada tinha polícia é que não ia ter. Daria tudo por uma bota agora, aqueles calçados que ele usava eram caros, muito caros, e sem dúvida eles iriam estragar naquele lamaçal terrível. Saiu bufando do carro, ele já havia chegado até aqui, tudo bem que tudo que ela disse fora verdade, mas isso não importava, ela havia semetindo onde não podia, e agora ela teria de aguentar. O que fosse e como fosse.
Ele saiu do carro com a cara estampando as palavras nojo e horror. Foi erguendo os pés devagar, mas não tinha jeito, ia se sujar independente da velocidade que fosse. Enfim chegou a porta da casa, não havia campainha, então bateu na porta. Uma. Duas. Três vezes. Mas ninguém atendeu, foi até a janela afundando os pés no barro, e ao olhar viu que nada havia ali, a não ser alguns móveis velhos e gastos, provavelmente de segunda mão. Começou a chover novamente então ele voltou para o carro correndo tinindo de tanta revolta, e agora era de si mesmo. Ela não estava ali, e ele havia feito tudo isso por nada.
Saiu por aquelas estradas o mais rápido que podia, com o carro derrapando e ele cada vez mais nervoso. O parabrisa ficou embaçado, e a chuva vinha mais e mais forte a cada segundo, chegando ao ponto que os limpadores do parabrisa não ajudavam em quase nada, seus pensamentos ficaram entre a vontade matar a secretária e se matar. continuou dirigindo com uma velocidade rápida demais, ele não iria aguentar por muito tempo tudo isso e se aguentasse ele seria um homem muito, muito sortudo mesmo.
Pensou demais, e em menos de uma fração de segundo o volante não estava mais sobre seu controle, o cinto estava totalmente esquecido sem ser puxado em momento algum antes da partida. Uma valeta, e três capotadas. Como é simples e irônico o jeito que algumas pessoas morrem. Pois ele morreu assim. 
Uma pequena nota no jornal, sem ninguém que pudesse nem ao menos dizer que tipo de flores ele gostava. Dez pessoas no velório, e ainda por cima distantes. Uma secretária, um presidente de empresa, a empregada, alguns vizinhos e ninguém que pudesse dizer que ele havia amado.
Com tudo isso algumas pessoas ganham... E outras perdem. O coveiro foi pago, o padre foi pago, a secretária ganhou uma promoção e quem sabe São Pedro um a mais no céu.
A vida dele passou despercebida, ele foi ambicioso, tentou ganhar tudo pelo jeito mais fácil, e teve um destino cruel. Sem amor, mas com muita dor, será que não percebemos o quanto é inútil algumas vezes tentarmos ser superiores aos outros?
Agora lá vai ela, linda e bela. Um dia secretária e no outro... Sabe-se lá o que pode ser. Ela foi atrás, lutou pelo que queria, e tivera bons resultados. No começo sentiu-se triste por ser desse jeito, por que foi algo do tipo uma morte por uma promoção, mas se a morte era o destino dele e a promoção o dela, ela é que não iria recusar.
E agora lá vai ela, linda e bela, mais uma dominada por essa coisa monopolizadora chamada dinheiro. Filhos não. Marido não. Quem sabe só resta mesmo esperar a morte chegar. Apenas uma pequena nota no jornal, sem ninguém que pudesse ao menos dizer que flores ele gostava. E no seu velório terá uma secretária, um presidente de empresa, ainda vivo apesar dos oitenta e quatro anos, a empregada, alguns vizinhos e ninguém que pudesse dizer que ela havia amado. 
E se der sorte encontra no céu o homem que a fez chegar até ali. Claro, isso se ela conseguir chegar ao céu...

     Imagem: http://www.flickr.com/photos/vanessaclass/ 

          "Temos o destino que merecemos. O nosso destino está de acordo com os nossos méritos."
              Albert Einstein

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