sábado, 24 de abril de 2010

Lurdes com a cara e a coragem

Olhar para fora da janela não era o bastante para Lurdes, ela queria mais, queria poder abraçar o mundo de uma só vez, conhecer, estudar, fazer as escolhas certas. Ela se achava preparada para isso. Mas seus pais não...
A chuva caia fazendo com que ela ficasse com sono, o som vindo da cozinha dizia que seus pais estavam chegando em casa, ela estava cansada, com o olhar caído e sem nenhuma determinação. Fechou os olhos, suspirou e abriu-os de novo. Estava sentada na sala de estar, sem nenhum compromisso pelo resto da semana, sem nada para fazer a não ser olha o teto ou a chuva que fazia lembrar a infância.
- Oi Lurdes, como foi seu dia? – perguntou a mãe entrando na sala, largando a bolsa na mesa e sentando relaxadamente no sofá.
- Bem... – ela hesitou, não por preocupação, mais porque até para conversar estava com a voz cansada – chato.
A mãe olhou para ela, mas não falou nada, Lurdes e ela sabiam que não mudaria nada independente do que elas conversassem. A mãe já havia botado as próprias regras, e Lurdes tinha medo de quebrá-las.
O pai de Lurdes deu um oi ligeiro para ela e subiu as escadas correndo, resmungando alguma coisa sobre “quem trabalha passa calor”. Ela já tinha 18 anos e nunca havia trabalhado, os pais não deixaram, e ela tinha medo de tentar algo que fosse contra a vontade deles.
Lurdes não queria fazer vestibular, por que se passasse a escolha do curso seria dos seus pais e não dela, só porque os dois eram advogados eles sentiam que ela também deveria ser, mas Lurdes não queria isso para si. Digamos que arte cênica não era uma das escolhas com mais pontos entre o papai e a mamãe.
Ela ficou mais um tempo olhando para o nada, tinha que tomar algumas decisões. Decisões sem a ajuda dos pais, já havia cansado daquilo. De ter que agüentar eles mandando nela como se ela fosse uma bonequinha deles.
Ela e a mãe conversaram por algum tempo, e enquanto faziam isso o tempo passava, escureceu, a chuva parou. Ela sabia o que ia fazer.
Enquanto conversava com a sua mãe ela percebeu que não poderia mais viver com eles, tinha que sair daquela casa, com ou sem permissão.
Quando subiu para o seu quarto ela não deitou na cama e muito menos dormiu, ao invés disso pegou uma mala no guarda-roupa e foi arrumando o que seria de maior necessidade dali em diante. Roupas, calçados e algumas economias que havia juntado ao longo do tempo, só isso que teria para sobreviver.
Desceu as escadas passo por passo, sem fazer nem ao menos um ruído, abriu a porta e lentamente deixou a casa que tanto amava, sem avisos e muito menos sorrisos.
Saiu para dentro da noite escura e gelada, pisando com passos fortes no asfalto molhado, aquele mesmo asfalto em que um dia ela caiu de bicicleta, ou que ela correu para visitar os vizinhos.
Ela não sabia o que seria dela dali em diante, quem sabe passaria no vestibular, quem sabe não. Quem sabe conseguiria um emprego, e se não conseguisse não teria como sobreviver. Deixou algumas lágrimas caírem, que foram direto de encontro ao chão. Ela já havia chorado ali, naquela mesma rua, mas por motivos diferentes, um joelho sangrando, uma briga com algum amigo. Mas agora era diferente, ela sabia que teria que lutar, e não tinha nada a seu favor, somente ela mesma.

Um comentário:

  1. Nossa!!!
    Momentos importantes, tantas dúvidas, medo de magoar a quem amamos e até mesmo de errar...Mas com uma vontade infinita de se libertar e ir em busca de seu ideais.
    Amei

    ResponderExcluir

Nunca sabemos de tudo.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...