quinta-feira, 15 de abril de 2010

Encontros da vida alheia

Ela tinha um sorriso cansado, um sorriso cansado e bondoso, não era uma senhora qualquer, não passava a mão na cabeça dos netos com um ar de orgulho, pois ela não tinha netos. Ela não tinha filhos, desperdiçara todas as chances que tivera, da primeira a última. Seu nome? Quem sabe vocês conheçam, ela foi famosa, parecida com uma bailarina, não desculpem, ela era bailarina. E por isso era famosa, seu nome era Rita.
Viajou e conheceu, mas voltou ao lugar de onde partiu, ninguém sabe se ela se arrepende por não ter tido filhos, ninguém sabe...
Vive sozinha, em uma casa imaculadamente branca, toma seu chá todos os dias, de uma forma tão cotidiana que já faz parte do seu próprio ser. Um ser sem família, sem amor. Teve as chances, poderia ter parado de dançar, vivido mais, amado mais e quem sabe se casado com Otávio, sabem, o Otávio, aquele que segurou a mão dela para ela não tropeçar no meio fio, que cheirou suas madeixas ruivas e disse que ela era a mulher mais perfeita do universo. 
Aquele que a pediu em casamento.

Ele era quieto, um senhor quieto e com uma cara carrancuda, mas quem um dia o conheceu de verdade sabe que por trás de seu rosto imponente existia um mel tão doce quanto o que as abelhas fazem, ele se chamava Otávio. Tinha um filho chamado Ramón, um filho do mundo, viajava e queria ver e cheirar tudo antes de morrer. 
Otávio se casou um dia, mas as lembranças sobre a tal mulher eram poucas, tão poucas que ele às vezes esquecia que um dia ela existiu. Quando era jovem gostava de segurar mulheres antes que elas caíssem ao tropeçar no meio fio, em certa época se apaixonou sem ser correspondido, ela era ruiva, gostava de cheirar seu cabelo como se fosse sua alma. Seu nome era Rita e ela era a mulher mais perfeita do universo, uma bailarina.
Pediu-a em casamento, mas ela não aceitou, era muito profissional, queria viver para a carreira, queria ser um sucesso, era disciplinada demais, certa demais. Otávio vivia sozinho, em um apartamento acinzentado, que ficava em cima de um bar, do tipo que bailarinas não gostam de entrar.
Otávio sentia remorso, do tipo que corrói, poderia ter tentado mais, ido atrás de Rita.
Ela deveria ser sua esposa.

A brisa era leve, breve e leve. Um senhor passava com uma cara carrancuda, uma máscara. Uma senhora vinha em sua direção, tinha um sorriso cansado e bondoso. 
O senhor sorriu para ela, como se já a conhecesse, com se um dia ela tivesse sido ruiva, a senhora derramou uma lágrima, como se um dia já tivesse se apaixonado.
Com um único olhar, um único e mísero olhar eles decifraram toda uma vida de suspeitas, continuaram seus próprios caminhos, remoendo as próprias mágoas e sentindo a própria dor.


Imagem:  Tumblr

5 comentários:

  1. que tristeeeeeeeeeeeeeeeeeee, eu choreiiiii!

    isso não se faz!
    uhahuauhauh

    ResponderExcluir
  2. Que lindo texto, casou perfeitamente com a imagem. Maravilhoso!!!

    BeijooO'

    ResponderExcluir
  3. Perfeito Ale.
    Gostei demais da intensida. Me perdi em pontos, mas consegui organizar devido as sensações que foi inserindo dentro de mim.

    Obrigada pelo prazer da leitura.

    'Queria ver e cheirar tudo, antes de morrer' Intenso

    ResponderExcluir
  4. Texto e imagem se combinaram perfeitamente. É uma história triste, mas de muito efeito
    Adorei, parabéns !
    Beijo

    ResponderExcluir
  5. Eles bem que poderiam ter se falado nesse último encontro, mas a vida dá poucas oportunidades então temos que aproveitar ao máximo.
    LIndo texto
    =*

    ResponderExcluir

Nunca sabemos de tudo.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...