sexta-feira, 30 de abril de 2010

Anjo da Rua Moreira Silva

Naquela época eu já tinha cinquenta anos, e ele apenas sete. Seu olhar era ao todo singelo e verdadeiro. Era um menino tímido que vivia na Rua Moreira Silva, se o guarda estivesse com bom humor ele podia dormir na praça, e que boas ele achava dessas noites, tão quieto, submisso ao olhar humano...
Que azar que era quando o guarda chegava o tirando a tapas dos bancos sujos e imundos da bendita praça. Essas eram as infelizes noites para ele, em cima de um papelão achado no lixo ele dormia como um rato qualquer, acordava inúmeras vezes com bêbados a passar, pessoas a se divertir nos bares que havia por perto. 
Como era triste a vida que levava, e tinha apenas sete anos...
Sempre que eu saia de casa o encontrava, com seu olhar de anjo, olhos azuis como o céu naqueles maravilhosos dias de verão, cabelos amarelos como o trigo bem cuidado. Queria limpar a sujeira que se acumulava em seu corpo miúdo. O carinho por ele era tamanho que às vezes chagava em casa chorando.
Ele recebia comida das pessoas que, como eu, sabiam da vida que levava, eu mesma quantas vezes não fui até ele com a janta ou o almoço, morando sozinha não me preocupava com mais nada, só com o anjo que ficava a vagabundear na Rua Moreira Silva.
Veio-me a ideia de adotá-lo, fiquei com aquilo a martelar em minha cabeça, como um papagaio chato em uma gaiola pequena, mas achava que era impossível, já era velha naquela época, não poderia cuidar de uma criança. 
Mas pensar demais nunca havia sido uma de minhas maiores virtudes, um domingo acordei para ir à missa, e na volta como se fosse uma ação resultante de todas as vezes que vi um padre falar o levei para casa, sem pestanejar nem nada, aflingia-me muito vê-lo ali, tão sozinho e totalmente do mundo.
Ele aceitou de bom grado, no começo tímido, mas eu logo fui lhe dizendo para não se acanhar, dei-lhe um bom banho, muito amor, comida para encher até os cotovelos, arranjei para ele até documentos.
Sinto-me tão honrada de dizer que sou a mãe dele, pois eu sou eu o criei, a biológica até hoje não se sabe o paradeiro, muito menos do pai, mas eu estou aqui, viva depois de tanto tempo.
Hoje já é um rapaz bem feito, diferente dos outros, tenho que admitir, mas pra mim ainda é um anjo, que ao invés de cair do céu teve que ser buscado por minhas próprias mãos, no que diga-se de passagem, parecia o inferno.
Já tenho a cabeça com todos os fios brancos, sou uma idosa feliz que é amada por uma jóia rara. O meu anjo, minha única família, é pra mim o que eu poderia chamar de porto seguro móvel.
Eu amo meu filho,e sei que ele corresponde ao sentimento da mesma maneira, sinto um enorme buraco em meu peito quando penso em quantas crianças ainda vivem do mesmo modo que ele vivia, algumas vezes ainda pior.
Mas morrerei feliz, e como diz o meu anjo, com muito "rock na veia".


Foto retirada do Flickr

3 comentários:

  1. Olá Alessandra,
    Gostaria de avisar-lhe que o texto contém parágrafos repetidos. Está avaliado,porém procure exclui-los para seus leitores não ficarem perdidos. (:

    Boa sorte! :D
    Bárbara Farias.

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  2. Sincero, sensível..
    não importa a idade, não importa a capa do lado de fora..
    o que importa é o que temos aqui dentro!

    esse é o verdadeiro valor.

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Nunca sabemos de tudo.

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