terça-feira, 18 de maio de 2010

Torah, uma mulher livre

Paris, 14 de Agosto de 1947

Eu vejo o sol nascer quadrado todos os dias, e não estou numa prisão, não literalmente. Acordo pálida, e durmo pálida. O cansaço de não fazer nada me domina, e eu vivo sonhando em ser livre novamente.
As pessoas passam em baixo desse enorme prédio abandonado sem olhar para cima, sem me enxergar. Elas passam na rua com medo, ligeiras e indecifráveis, o cheiro da morte impregna todos os locais, e meu rosto é obscuro como o quarto em que vivo, a esperança já deixou de morar em meu corpo há mais tempo do que eu esperava.
Já faz dois anos que estou aqui nesse pequeno quarto, onde só saio para ir ao banheiro, recebo comida uma vez ao dia, estou um esqueleto, emagreci tanto que as vezes não consigo parar de pé, como é triste uma vida de solidão...
À noite não posso ligar a luz, para não chamar a atenção, a lua então é minha companheira, minha única amiga.
Tenho saudades de escutar Vlado Perlemuter em dias frios, e de ler Paul Géraldy embaixo de uma árvore qualquer em dias quentes.
Que valor eu dava a vida que levava?
Acho que vou morrer aqui, exilada do mundo, das pessoas, dos sabores e dos perfumes, algumas cores ainda posso ver, felizmente minha janela me dá esse prazer, mas não sei  o quanto posso sobreviver, estou fraca, aos poucos definhando.
Queria poder voltar no tempo e colocar mais intensidade nas coisas, poder deixar um pouco mais da minha marca, mas agora não posso mais, passou, estou sozinha, eu... e a lua.
Não queria deixar minha história em branco, e resolvi escrever isto aqui, a guerra me marcou, como a tantos outros, mais eu como judia, ainda pago por ter fé, minha família era rica, pois se é eu ainda não sei. Nós viemos de Varsóvia para a França, para tentar nos esconder, meu pai tinha amigos aqui, só que os alemães nos descobriram, minha família conseguiu fugir, mas eu fiquei, e hoje ainda sofro as consequências.
Eles mantêm refém para a segurança de si próprios, para meu pai não fugir, e não levar consigo mais gente, me pergunto se não fosse eu que tivesse ficado para trás como seria minha vida agora.
Deixaria minha irmã sofrer dessa maneira? Ficar no meu lugar? Acho que não.
Hoje tenho 21 anos, e a minha dor aumenta cada vez mais, estou amargurada. A injustiça me atingiu de tamanha maneira que continuar a viver é um paradoxo que não consigo entender.
Como o mundo é sujo nas mãos de Führer, existem coisas além de sua própria opinião, a cor de meus olhos não decifra o meu ser, a cor da minha pele não decifra a minha alma, Adolf Hitler é tão sujo como o próprio mundo em suas mãos, sem alma alguma, sem medo algum, ele me dá nojo.
Eu me fundo aos poucos com a escuridão desse quarto, só por que alguém quer comandar o mundo, destruir pessoas, como se isso desse prazer.
Existe uma grande probabilidade de eu morrer por causa dessa carta, mas só vou adiantar o que já iria me acontecer, e prefiro morrer pelo motivo de algo minimamente rebelde do que por que Hitler resolveu que era minha hora, ou outro alemão qualquer.
A vida é injusta, eu sei, mas enquanto existir amor no mundo não está tudo totalmente perdido.



Torah, uma mulher livre.


2 comentários:

  1. Texto gostoso de ler, como todos os que tu sempre escreves Ale!
    Vim deixar-te meu abraço, e um desejo de boa semana pra ti!
    Beijos ;*

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Nunca sabemos de tudo.

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